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Entrevista Profa. Dra Liliane Maria Ferrareso Lona

Professora Titular do Departamento de Engenharia de Materiais e de Bioprocessos


FEQ, uma unidade com tradição em inovar

Na trajetória de 50 anos do curso de Engenharia Química, a Faculdade ousou promover mudanças que garantiram excelência às atividades de ensino, pesquisa e extensão

A professora Liliane Ferrareso Lona, ex-diretora da FEQ, constata que a unidade evoluiu bastante nas últimas cinco décadas, mas observa que é preciso continuar em busca do novo

 


Fotografia: Leandro Torres/AAN

A trajetória da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp é marcada por êxitos, mas estes não foram obtidos sem esforços e, em alguns momentos, sacrifícios coletivos. Embora na linha do tempo 50 anos constituam apenas um fragmento, foi neste intervalo que a unidade conseguiu conferir às suas atividades de ensino, pesquisa e extensão um elevado grau de excelência. “De fato, a FEQ evoluiu bastante nesse período, sob os mais diversos aspectos. Acredito que faz parte da cultura da Faculdade essa busca pelo novo, esse compromisso com a inovação”, explica a professora Liliane Ferrareso Lona, que ocupou diversas posições acadêmicas e administrativas na FEQ, inclusive a sua direção, entre os anos de 2010 e 2014.

Liliane pode ser considerada uma raridade entre os docentes da Unicamp. Ela é um exemplo incomum, dado que nasceu e foi criada em Campinas e cursou a graduação, o mestrado e o doutorado na Universidade. “A escolha por estudar na Unicamp foi natural para mim. Tanto é que o único vestibular que prestei para cursar Engenharia Química foi aqui. Passei, fiz toda a minha formação na instituição e saí somente para fazer o pós-doutorado no Canadá, para quebrar um pouco essa endogenia e, claro, obter novos conhecimentos e viver novas experiências”, relata. No retorno ao Brasil e à sua cidade natal, prestou concurso e ingressou no quadro docente da FEQ. “Não cogitei trabalhar na indústria. Quando era criança, costumava dizer que seria professora e mãe quando crescesse. Alcancei os dois objetivos”, acrescenta.

Como docente, Liliane teve a oportunidade não apenas de testemunhar, mas também de contribuir para o avanço da Faculdade, hoje considerada entre as melhores do Brasil. De acordo com ela, a unidade tem um histórico consistente no que se refere à autoavaliação e à capacidade de aprimorar aspectos que, de tempos em tempos, exigem mudanças, sejam pontuais, sejam profundas. “Quando eu assumi a Coordenadoria de Pós-Graduação, havia apenas um programa de Engenharia Química no país com nota 7 [nível de excelência], segundo avaliação da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, órgão vinculado ao Ministério da Educação]. Nós fizemos uma série de esforços e nos tornamos o segundo programa de pós-graduação a também ter nota 7, conceito que mantemos até hoje. Um aspecto importante a salientar é que o outro curso não tinha graduação, enquanto nós tínhamos esse nível de ensino tanto no período diurno quanto noturno”, observa.

Em se tratando da graduação, Liliane destaca que esse segmento sempre foi objeto de iniciativas inovadoras por parte da FEQ. Uma delas ocorreu no final dos anos 1990 com a criação dos primeiros laboratórios de ensino, o que representou uma quebra de paradigma na ocasião. “Até então, o aluno tinha aula de uma determinada disciplina e, posteriormente, realizava o experimento para colocar em prática o que havia aprendido na teoria. Com o advento dos laboratórios de ensino, nós promovemos a integração dos conhecimentos. Com isso, um único experimento passou a envolver várias disciplinas. Foi algo disruptivo naquele instante, o que despertou o interesse de outras instituições, que passaram a adotar o mesmo modelo”, detalha.

Poucos anos depois, os laboratórios foram aprimorados, seguindo um projeto apresentado pelo professor Edson Tomaz, que propôs novos experimentos. A medida deu grande impulso às atividades de ensino e mais uma vez serviu de referência para outras faculdades de Engenharia Química. “Agora, estou tendo a oportunidade de participar de um terceiro esforço para qualificar ainda mais o nosso curso. Nós reformulamos totalmente os laboratórios de ensino, também a partir de um projeto do professor Edson. A FEQ concebeu um modelo que é único tanto no Brasil quanto o mundo”, atesta a docente. Ela esclarece que, inicialmente, as mudanças ocorreriam para que o curso se adaptasse às novas diretrizes determinadas pelo MEC.

Seguindo a sua tradição, a FEQ viu nessa tarefa a oportunidade de novamente ousar e experimentar o novo. “O modelo anterior atendeu muito bem nossas necessidades por um bom tempo. Ocorre que o mundo muda e, com ele, surgem novos desafios que precisam ser enfrentados. Os laboratórios anteriores não reproduziam a estrutura encontrada na indústria. Foram concebidos com o principal propósito de ensinar os fenômenos envolvidos em um determinado experimento. Agora, temos um laboratório de interação. É possível aos alunos, por exemplo, montar uma coluna de destilação utilizando diferentes partes, como se estivessem criando um equipamento a partir de peças de Lego. Ou seja, esse estudante monta e depois opera o equipamento, como se estivesse na indústria. É uma proposta absolutamente inovadora, que não encontra similar no Brasil ou no exterior. Os alunos estão completamente fascinados com essa forma de aprender”, conta a ex-diretora da FEQ.

O princípio que norteia as atividades, continua Liliane, é romper com o conhecimento compartimentalizado e buscar soluções para problemas reais da indústria. “Ou seja, nossos alunos conseguem enxergar claramente como vão aplicar os conceitos e como é possível integrar as diferentes disciplinas para resolver uma questão”. Como o ensino na Unicamp está intimamente ligado à pesquisa e à extensão, a professora faz questão de destacar a relevância dessas duas áreas no contexto da FEQ. No que diz respeito à primeira, ela enfatiza que além de gerarem conhecimento novo, que sai dos laboratórios e é levado à sala de aula, as investigações científicas também dão origem a processos e produtos que, uma vez licenciados, geram riquezas e empregos para o país.

“Nossos professores trabalham em diferentes frentes, pesquisando temas extremamente importantes para o Brasil, como biocombustíveis, fármacos e novos materiais, apenas para citar alguns exemplos. Recebemos a informação que, em 2024, praticamente um terço das patentes licenciadas pela Unicamp contou com a participação de professores da FEQ no seu desenvolvimento. A nossa Faculdade tem uma característica importante. Por sermos uma unidade relativamente pequena – são cerca de 50 professores -, temos facilidade de dialogar. Não significa que não haja divergências em um ponto ou outro, mas temos tradição de construir consensos em favor da Faculdade”, detalha.

Atualmente, na sequência da reformulação do curso de graduação, a comunidade da FEQ começa a discutir a curricularização da extensão. Por exigência do MEC, 10% da carga horária total dos cursos devem ser dedicados a atividades extensionistas, que por sua vez precisam ser incorporadas à matriz curricular. “Essa missão será muito importante, pois vai nos permitir abrir novos diálogos com a região metropolitana, por exemplo, no sentido de entender quais são os principais problemas das cidades e de seus moradores. Isso gerará oportunidades para que pesquisemos soluções que atendam as demandas da sociedade”, adianta Liliane.

Indagada sobre qual é o perfil atual do estudante de graduação da FEQ, a docente afirma que esse jovem é multifacetado, principalmente porque o mundo atual exige que ele seja assim. “Ele estuda inglês, faz iniciação científica, faz estágio e participa da Propeq [Empresa Júnior da Faculdade]. É uma pessoa madura em vários aspectos e menos em outros. Percebo que a maioria se comunica muito bem e que está sempre à procura de oportunidades para se desenvolver nos estudos e, como consequência, na carreira”, analisa a docente.

Ainda em relação aos estudantes, Liliane assinala que eles representam um avanço significativo da Universidade em busca de maior diversidade. “Quando eu ingressei na graduação, as mulheres representavam apenas 10% do grupo de alunos. Hoje, esse índice está praticamente em 50%. Além disso, contamos com estudantes de várias partes do Brasil, que pertencem a diferentes etnias. Isso enriquece muito não apenas a vivência no campus, mas também as discussões em sala de aula”, destaca.

Para os jovens que intencionam cursar Engenharia Química na Unicamp, a professora Liliane tem um recado importante. Ela aconselha que esse potencial candidato ao vestibular jamais exercite a autoexclusão. “Sabemos que muitos jovens pensam que a nossa Universidade é inatingível. Não é. Obviamente, a aprovação no exame de seleção vai exigir empenho do estudante, mas não é um bicho de sete cabeças. Além disso, a instituição tem programas de cotas e oferece pontos de bonificação para determinados tipos de candidatos, como os oriundos de escola pública. Por fim, ainda disponibiliza programas de permanência estudantil, que auxilia na manutenção daqueles que estão em situação de vulnerabilidade social. Portanto, não deixe de tentar”, estimula ela.

Ainda como forma de incentivo, a docente faz um relato de uma situação vivenciada por ela. “Eu tive dois alunos de mestrado que vieram do Sul para cá. Eles fizeram a graduação em uma instituição pouco conhecida e tinham a intenção de cursar a pós-graduação lá mesmo. Uma professora mais atenta aconselhou ambos a procurarem uma universidade de maior expressão, dado que tinham potencial. Ela sugeriu a Unicamp, mas eles recusaram inicialmente, acreditando que seria impossível conseguir uma vaga aqui. A professora insistiu e eles seguiram o conselho. Fizeram a inscrição, foram aprovados no processo de seleção, obtiveram bolsa da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] e cumpriram estágio no exterior. Ou seja, aproveitaram muito bem as oportunidades que provavelmente não teriam na cidade de origem. Tudo isso transformou a vida deles. Muitos outros também podem viver essa experiência, mas é preciso acreditar”, reafirma Liliane.

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